Um soco no estômago: "Morra, Amor" de Ariana Harwicz

"Andei pela casa, a escopeta na mão, até o canto da cozinha, onde, torcido sobre um pano nojento, ele soluçava de dor. Apontei e, sem pensar em nada, mas com a atitude de um soldado israelense, escutei na minha cabeça a ordem. Fogo! Fogo, caralho!, e dei o primeiro tiro da minha vida."

Ler "Morra, amor" me deixou desorientada.

Comparada à Virgínia Woolf pelo fluxo de consciência tão marcante na narrativa, Ariana Harwicz nos entrega uma história sem rodeios, direta ao ponto, crua, intensa e selvagem. A protagonista e narradora, cujo nome não sei porque ela não diz, nos insere em seus pensamentos mais íntimos e aleatórios nos dando acesso às responsabilidades que ela carrega: ser mãe, esposa e mulher.

"Com uma das mãos seguro meu nenê, com a outra a espátula. Com uma das mãos preparo a comida, com a outra me apunhalo. Que bom ter duas mãos. Que prático!"

Ler "Morra, amor" me deixou arrepiada.

Em algumas passagens o livro menciona Mrs Dalloway, de Virgínia Woolf, fazendo um link mais direto, impossível, com a semelhança entre as narrativas devido ao fluxo de consciência; e menciona também Zelda Fitzgerald, esposa de F. Scott Fitzgerald (autor de O Grande Gatsby), fazendo uma comparação incrível com nossa protagonista. Além dessas, outras referências são citadas ao longo do livro e eu recomendo que, caso não as conheça, pesquise todas elas durante a leitura. Você verá que, dessa forma, olhará para "Morra, amor" de um jeito diferente, como se tivesse um terceiro olho.

"O que me salva nesta noite e no resto não é de jeito nenhum o amor do meu homem ou o do meu filho. O que me salva é o olho do cervo, ainda me olhando."

Sobre o enredo, não há mais nada que eu possa dizer além de: o que uma mulher à beira da loucura, com sintomas que podem ser de depressão pós-parto, poderia fazer, sentir ou pensar enquanto busca incansavelmente pela sensação de pertencimento e liberdade?

"Morra, amor" não é um livro para todo mundo. A narrativa pode parecer confusa, há perguntas no meio de frases e os diálogos são, em sua maioria, em pensamentos... São lembranças do que foi dito somado ao que foi pensado e às vezes é difícil distinguir, mas, para mim, é justamente isso que faz do livro, uma obra memorável. Além disso, os temas abordados aqui podem incomodar algumas pessoas. Ser mãe, esposa e mulher (percebam que mulher está sempre por último) pode ser um fardo pesado demais e a protagonista não está disposta a esconder isso. Não de nós.

Recomendadíssimo para quem gosta de leituras desafiadoras.

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