As Crônicas das Sombras, de Frances Hardinge | Romance histórico, fantasia e elementos macabros


Um dos pontos mais assertivos de As Crônicas das Sombras, de Frances Hardinge, foi a originalidade ao trazer uma história que mescla um pano de fundo histórico, fantasia e uma pincelada no macabro que pode agradar bastante os leitores de vários gêneros.

"A confiança me assusta mais que a dor."

Makepeace, a protagonista, tem apenas 12 anos no início da história e mora com sua mãe numa cidadezinha próxima a Londres chamada Poplar. A cidade é bastante cristã e todas as pessoas de lá têm nomes com conotação religiosa, por exemplo: Makepeace numa tradução literal significa
fazedora da paz.

"Pai Todo-Poderoso, quando minhas cinzas retornarem ao chão, não me leve ao Seu palácio de ouro e pérolas. Deixe-me ir aonde vão os animais. Se existe uma floresta eterna onde correm, uivam e cantam as feras e os pássaros, permita que eu corra, uive e cante com eles. E, se eles se esvaírem em nada, permita que eu me junte a eles, como folhas ao vento."

Nos primeiros capítulos a gente fica sabendo que Makepeace é assombrada por algo que, dada as característica que ela descreve, parecem sonhos/pesadelos, mas logo sabemos que não é nada disso... Ao passar das páginas, descobrimos juntamente com Makepeace que ela tem o dom (ou seria maldição?) de abrigar almas! A menina consegue guardar, dentro de si, uma certa quantidade de fantasmas e até mesmo interagir com eles; e esse é o elemento macabro o qual o me referi no início.

"(...) parecia viver no presente, mas carregava suas memórias como se fossem hematomas. Vez ou outra ele esbarrava nelas e despencava, confuso, num abismo de dor."

No entanto, mesmo que esse dom da protagonista seja algo bem marcante e crucial para o desenvolvimento de toda a história, As Crônicas das Sombras é um livro que, ao meu ver, pende muito mais para a fantasia young adult do que para uma história de terror, então quem tem medo de narrativas assim não precisa se preocupar, já quem gosta (assim como eu), vai curtir a experiência.

"Ele não chorava nem implorava para ser poupado. Não se incomodava por não ser amado. Sabia que só podia contar consigo mesmo. Em algum lugar seu coraçãozinho do tamanho de uma cereja batia ferozmente, determinado a viver."

No entanto, essa não é a única surpresa de Makepeace. Existe um mistério sobre a identidade do pai dela que é o ponto de partida para o pano de fundo histórico que o livro aborda e essa foi a parte que eu mais gostei! A história se passa em meados do século XVII durante a Guerra Civil Inglesa entre o Rei Carlos I e o Parlamento e aqui a autora faz um trabalho brilhante nas entrelinhas que, ao meu ver, é repleto de significado: enquanto o parlamento e a monarquia vão às ruas reivindicar seus interesses, Makepeace trava uma luta interna por aceitação e sobrevivência.

"Se uma pessoa abandona o próprio orgulho, implora por algo com todo o coração e não é atendida, ela nunca volta a ser a mesma. Algo morre dentro de si, e algo diferente ganha vida."

Numa época em que o rei era visto como um enviado de Deus e tinha poder absoluto sobre tudo e todos, questionar a autoridade tanto dele quanto das famílias burguesas que o apoiavam era motivo de morte. Nesse contexto, Makepeace traz consigo um dom que não é nada cristão e entra em guerra contra aqueles que querem dominá-la. A forma como Hardinge trabalhou as questões de poder aqui, foram, na minha opinião, incríveis demais!

"(...) eu não dou a mínima. Por que deveria? Ninguém me mostrou por que motivo eu deveria morrer pelo rei, nem por que deveria amar o Parlamento mais do que a mim mesma! Eu quero viver! E tenho o mínimo de compaixão por quem só deseja viver também!"

Recomendo muitíssimo a leitura de As Crônicas das Sombras para leitores de fantasia, romance histórico e amantes do macabro.

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