Profundo e transformador: Daqui pra Baixo, de Jason Reynolds


Regra 01: Chorar.
Não.
Aconteça o que acontecer.

Regra 02: Dedurar.
Não.
Aconteça o que acontecer.

Regra 03: Se vingar.
Sempre.
Aconteça o que acontecer.

Will mora com a mãe e o irmão mais velho, Shawn, no subúrbio da cidade, onde o som que mais se escuta é o barulho dos tiros e os gritos sofridos quando um corpo cai no chão. O sangue na calçada, o desespero da família, um grupo de curiosos aos redor e um pano jogado em cima  do corpo como se aquela camada de tecido fosse capaz de minimizar a dor de quem perde um ente querido.

Foi assim que aconteceu. 
Primeiro, o disparo.
Depois, o corpo de Shawn no chão.

"mas se o sangue
dentro de você corre dentro
de outra pessoa,
você nunca vai querer
ver esse sangue correr
fora deles."


Aqui começa essa história. Will conhece as regras. Shawn conhecia as regras. Todo mundo sabe. Você perde algo... Você não chora. Você perde alguém... Você não dedura. Você se vinga.

Disposto a cumprir a terceira e última regra, Will pega uma arma e entra no elevador. Enquanto ele desce, outras pessoas vão entrando e saindo do pequeno cubículo, mas todas estão  de alguma forma  descendo junto com ele. Este é o ponto alto da história. A descida de Will até o térreo dura 67 segundos e é nesse curto espaço de tempo que todas as pessoas que passam por ele, não só falam, mas também mostram que vingança é como um veneno que você toma querendo que o outro morra. A terceira regra é a garantia de um ciclo que nunca  nunca  tem fim.

Daqui pra baixo é um livro todo escrito em versos e cada palavra corta tanto quanto uma navalha. A dor e a consciência de que ninguém fará justiça à morte de "mais um cara da periferia" faz Will querer agir por instinto de sobrevivência. As leis institucionais de nada valem ali. Ninguém se importa. Ninguém precisa de provas.  Então eles criaram as regras. Você somente as cumpre.

"Só mais uma coisa sobre As Regras
As Regras nunca devem ser quebradas.
As Regras são feitas pra gente quebrada
seguir."


O impacto que eu senti lendo Daqui pra baixo foi tão profundo que eu não consigo transcrever. Eu só conseguir pensar nessa sociedade suja em que vivemos, no racismo enraizado, na centralização do poder, nas desigualdades, na culpabilização das vítimas...

“tem risada
que é tão alta
e apontada
pra você
que acho
que pode ser
tão ruim quando
o impacto
de uma bala.”

O final de Daqui pra baixo é uma pergunta sem resposta. Meu coração ficou acelerado, minhas mãos transpiraram e eu busquei por um desfecho que, provavelmente, eu não vou encontrar. Mas a história de Will, de Shawn e das outras sete pessoas que entraram naquele elevador mudaram a minha vida para sempre. Eu vejo uma realidade que não é a minha, mas é a de muitos. E isso não deve ser ignorado. Profundo e transformador, Daqui pra Baixo é uma leitura mais do que recomendada.

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